Tenho 44 anos. Em 15 de Dezembro de 1996 dei o meu último caldo. Passaram-se 17 anos... Aqui contei parte da minha história...

quinta-feira, abril 27, 2006

A tropa.

Entretanto, quase que coincidindo com o início deste novo namoro, chegou o serviço militar obrigatório. Depois de muito choro e de algum medo pelo desconhecido chegou o dia de assentar praça. Fiz a recruta no antigo RALIS, em Lisboa, e cumpri a restante “pena” em Queluz no Regimento de Artilharia Antiaérea Nº 1.
Ao contrário do que se possa pensar a tropa não me mudou os hábitos, pelo menos na fase inicial. Desde muito cedo, para aí na terceira semana de recruta, fomos autorizados a frequentar o bar de praças, e então o meu passatempo preferido passou a ser o consumo de cerveja misturada com bagaço (não havia shots e por isso inventavam-se outras bombas). Claro está que os efeitos desta mistura eram poderosos e arrasadores.
Com o passar dos dias fomos conhecendo melhor os camaradas de armas, e assim, foi fácil perceber que havia uns quantos que também consumiam haxixe, daí ao consumo no interior do quartel foi um pequeno passo.
O sistema era simples, um dos nossos camaradas ligava para fora do quartel, normalmente ao fim do dia, e pedia a um amigo que lhe fosse fazer uma visita, essa visita trazia a encomenda e entregava-a directamente na sala de visitas. O passo seguinte era, também ele simples, juntávamo-nos nas retretes (daquelas que só têm um buraco e onde as paredes divisórias não chegam nem ao tecto nem ao chão) cada um na sua, e íamos fumando e passando as ganzas por debaixo das divisórias.
Depois de bem fumados reuníamo-nos de novo no bar e atestávamos mais umas quantas cervejas e uns bagaços, claro está que na manhã seguinte a ginástica ou as pistas de obstáculos eram um autêntico calvário.
Os fins-de-semana eram um pouco diferentes desta rotina. Assim, o dia era passado com a namorada, que como já disse era menina bem comportada e que desconhecia, ou fazia por desconhecer, estes meus devaneios. As noites, de sexta e de sábado, depois das 22 horas, hora em que deixava a casa da namorada, eram sempre passadas numa discoteca da zona. Estas incursões nocturnas tinham um só objectivo, dançar muito, beber quanto baste e procurar a tal rapariga de que vos falei e que era a minha grande paixão.
Entretanto, finda a recruta, começou a pensar-se no que seria melhor para o meu futuro, e por várias influências resolvi concorrer para a polícia, sendo assim era necessário fazer uma pausa no consumo de drogas, e foi o que fiz, durante largos meses não consumi o que quer que fosse.
No entanto, ser polícia era uma coisa que não me entusiasmava, por isso consegui meter os papéis três vezes e faltar o mesmo número de vezes aos testes, efectivamente não era aquilo que eu queria para mim.

quinta-feira, abril 20, 2006

Ponto de situação.


Penso ser pertinente e necessário fazer mais um esclarecimento sobre as coisas que tenho escrito, pois pelos comentários recebidos, parece-me que não tenho sido claro nalguns pontos de vista que tenho tentado transmitir.
Em primeiro lugar, os meus “conhecimentos” nestas questões das drogas resultam todos das minhas experiências pessoais, da minha própria vivência e história de consumo, bem como da observação dos consumos daqueles que me rodearam durante esses anos.
Não tenho, nem quero ter, a veleidade de pensar que sou um perito na matéria, antes pelo contrário, nunca estudei o assunto nem pretendo estudar, deixo isso para os sociólogos e psicólogos que o queiram fazer. Assim, o que para mim é verdade, pois foi isso que vivi, para outras pessoas pode ser um completo disparate, uma asneira de todo o tamanho. Mas estou ciente de que isso pode acontecer, e por isso todas as opiniões são bem vindas.
Em segundo lugar nunca disse que o consumo de haxixe leva ao consumo de outras drogas, sejam elas quais forem, e se em algum momento foi essa a ideia que transpareceu não foi intencional. No meu caso - e volto a reforçar que o meu caso não tem que ser igual aos outros, nem pode ser generalizado – o consumo de haxixe foi o primeiro passo no consumo de drogas, e o último foi o consumo de heroína, mais nada, comecei numa e acabei noutra, nada mais que isto.
Também vos posso dizer que nunca gostei muito da moca do haxixe, é um facto que o consumi durante muitos anos, mas não tenho dúvidas que a principal motivação era o facto de o grupo em que estava inserido ter esse hábito instituído. Na minha opinião a moca do haxixe estupidificava-me, ria-me estupidamente e com frequência ficava mal disposto ao ponto de ir ao gregório, nunca produzi nada de útil sobre o seu efeito. Quanto a ressacas de haxixe, nunca existiram para mim, carências físicas ou psicológicas nunca as senti.
A passagem para a heroína, como mais à frente veremos, não foi um passo natural de quem procura sensações mais fortes, esse passo foi dado numa altura em que o haxixe escasseou no “mercado”, ponto final parágrafo. Tão simples quanto isso, queríamos droga, não havia chamon comprámos e fumámos o que havia, e aí sim foi paixão à primeira vista.
Mais adiante relatarei esse episódio mais pormenorizadamente, mas posso adiantar que foi tão marcante, tão especial que me lembro de todos os pormenores como se tivesse sido ontem.
De qualquer forma quero agradecer todos os comentários recebidos, espero que continuem comigo e que me continuem a dar ânimo para vos contar a minha história.
Espero com ela puder ajudar quem quiser ser ajudado.

segunda-feira, abril 17, 2006

Acalmia temporária.

Voltando à minha história, chegámos então à minha primeira namorada. Nesta fase o consumo de drogas foi durante algum tempo substancialmente reduzido, já o mesmo não se podendo dizer do álcool. Aliás, o início de uma relação foi sempre, na minha vida, sinónimo de redução de consumo, uma vez que, felizmente, nunca me envolvi com ninguém com os mesmos vícios.
Este namoro durou cerca de 2 anos, e como é normal em todos os meus namoros, em determinado momento pensei que seria uma relação séria e que terminaria obviamente em casamento.
Na escola, verificou-se também alguma acalmia, no entanto acabei por deixar 3 cadeiras para trás no 10º ano, o que me obrigaria a repetir mais um ano. Assim, e face ao caminho que a minha relação parecia estar a seguir, aos 17 ou 18 anos, optei por ir estudar à noite e fui à procura do primeiro emprego.
Esta fase coincidiu com a mudança de casa, o que me levou a ter forçosamente de fazer novas amizades. Inicialmente todas estas mudanças foram benéficas, uma vez que as primeiras pessoas com quem travei conhecimento não eram consumidoras, no entanto em alternativa bebiam com alguma frequência, e eu como não podia deixar de ser entrei no mesmo ritmo, pois achava que para pertencer ao grupo devia ser tão ou mais adepto da boa carraspana do que eles.
Como é óbvio, o namoro terminou e os velhos hábitos voltaram. Inicialmente apenas aos fins-de-semana, mais tarde com uma frequência superior. Tudo isto coincidiu com a entrada num novo grupo de amigos que entretanto fizera, estes sim bem mais amigos do charrito e que viriam a ter um papel preponderante na minha queda no mundo da heroína.
Apesar de tudo, nos primeiros dois anos de ensino nocturno registei um excelente aproveitamento, concluindo o 11º ano com notas acima da média. O trabalho, apesar de muito duro e fisicamente extenuante era muito bem remunerado, recebendo com alguma frequência ordenados de mais de 200 contos, o que, convenhamos, nas mãos de um jovem como eu…
Por esta altura, os fins-de-semana eram sinónimo de discotecas, festas, muito álcool e muito chamon. Também por esta altura conheci uma das maiores paixões da minha vida, alguém com quem curti apenas uma noite, mas alguém que amei durante anos e que nunca vou esquecer. Durante muitos anos bastaria um aceno para deixar tudo e ir ter com ela, no entanto ainda hoje não compreendo o que se passou e porque não tentámos pelo menos ter uma relação mais a sério. Sei que existia uma química natural entre os dois, mas nunca soube porque não funcionou.
Entretanto conheci a minha segunda namorada, moça séria, catequista e aluna do 2º ano de direito. Mais um período de acalmia, não tão acentuado, se seguiria.

quinta-feira, abril 13, 2006

Haxixe (droga ou talvez não) 2

Legalizar qualquer droga que seja, tem vantagens e desvantagens. Não adianta tornear a questão pois haverá sempre quem o defenda e quem seja radicalmente contra. Para mim é claro que o fruto proibido è sempre o mais apetecido, e por outro lado penso também que todas as substâncias que são regulamentarmente vendidas protegidas por claros critérios de controlo de qualidade têm vantagens sobre as outras não sujeitas a esse controlo – Tantas vezes que eu comprei gesso por cavalo, ou Noostan por cavalo.

Por outro lado sejamos realistas, a droga vai sempre ser vendida, sempre seja a branca, seja o cavalo seja extasy, seja o que for. Então porquê enriquecer os traficantes?

Quanto à questão da ressaca e da dependência do chamon, a minha experiência diz-me que nunca ressaquei e mais, nunca fiquei agarrado, de qualquer forma admito que possam existir opiniões diferentes, deixo aqui uma tirada do site Drogas.pt do Instituto da Droga e Toxicodependência

“Com o Haxixe não se corre o risco de ficar dependente.
Embora o Haxixe aparentemente não induza dependência física, alguns factores individuais e sociais podem levar à necessidade de um consumo compulsivo e à dependência psicológica.”

terça-feira, abril 11, 2006

Haxixe (droga ou talvez não)


De volta há temática do chamon, ou do haxixe conforme lhe queiram chamar, já percebi que houve dúvidas face ao que eu escrevi no post anterior:

Reservo-me o direito de guardar para mim a opinião que tenho sobre o consumo do haxixe, não querendo discutir se deve ou não ser considerada como droga, se deve ou não ser legalizada

Na minha opinião Droga é toda e qualquer substância activa que actua no nosso organismo. Assim, é óbvio que o chamon é uma droga mas uma aspirina também o é, bem como o álcool, o tabaco, a heroína, a cocaína, etc…

A questão é outra, a questão é perceber até que ponto o consumo de uma droga nos torna dependentes dela, e qual o grau de dependência que a mesma provoca e quais as consequências dessa dependência.

Eu pessoalmente penso que o chamon, não provoca uma dependência superior há do tabaco ou do álcool, aliás a minha opinião é a de que o chamon não provoca dependência, no entanto não quero com isto dizer que defenda o seu consumo ou a sua legalização.

Eu não conheço nenhum caso de quem se tenha prostituído ou cometido assaltos para comprar chamon, eu não conheço casos de ressaca de chamon. No entanto, e o meu caso é disso exemplo, muito do consumo de drogas pesadas começa, ou se quisermos é consequência, do consumo das chamadas drogas leves como o chamon, e é por isso que eu tenho dúvidas quanto a pertinência da legalização do seu consumo.

Não tenho argumentos suficientes para tomar partido por uma ou outra opção, se se deve ou não legalizar, tenho no entanto a minha experiência de vida e essa diz-me uma coisa muito simples, nunca fui tão feliz e nunca desfrutei tanto dos prazeres da vida como quando me mantenho sóbrio e livre de adições a drogas.

Sendo assim, e face ao exposto, o meu concelho, que mais uma vez digo vale o que vale, a melhor opção é não consumir drogas. Existem na nossa vida sensações e prazeres tão ao mais inebriantes como os que se conseguem com as drogas, basta saber procurar e desfrutar.

segunda-feira, abril 10, 2006

O início dos vícios 2

Por esta altura as drogas já despertavam em mim um enorme fascínio, basta dizer que de entre os poucos livros não escolares que eu tinha lido, dois títulos se destacavam como os preferidos – "CHRISTIANE F – Os Filhos da Droga" e "Viagem ao Mundo da Droga".
Fica assim claro que, nada do que me podia acontecer com o consumo destas substâncias era para mim novidade ou segredo, eu sabia bem os riscos que corria e mesmo assim arrisquei.
Quem já leu estes livros sabe do que eu estou a falar, ambas a histórias são claros exemplos do inferno em que se pode tornar a vida de um drogado, mas mesmo assim não queria saber.
Desta fase da minha vida não tenho muitas memórias, por isso não posso entrar em grandes pormenores. Sei no entanto que, os charros, as cervejas e o tabaco ocupavam grande parte dos meus dias. Lembro-me de ir com um grupo de amigos a um café perto da escola (o Liceu D. Filipa de Lencastre) comprar garrafas de litro de Tuborg e beber estupidamente só por beber.
Achávamo-nos os maiores.
Um bom programa era um charro e uma cerveja ao som de uma qualquer música dos Doors ou dos Pink Floyd. Aqui devo dizer também que o Jim Morrison foi um marco, um herói que nos marcou a todos, mais pela extravagância e pelo seu consumo brutal de álcool e drogas do que propriamente pela sua veia artística. Obviamente o livro “Daqui ninguém sai vivo” foi também lido e relido uma série de vezes.
Entretanto chegaram os 15 anos a mudança de casa, do Areeiro para os arredores de Lisboa e a primeira namorada, que trouxe uma fase de alguma acalmia no que toca a consumos.

Um dos objectivos destes textos, passa, também, por dar a conhecer melhor o que são algumas das drogas e os seus efeitos, de forma a ajudar os menos prevenidos a identificar comportamentos e efeitos resultantes do seu consumo.

Reservo-me o direito de guardar para mim a opinião que tenho sobre o consumo do haxixe, não querendo discutir se deve ou não ser considerada como droga, se deve ou não ser legalizada. Apenas me vou limitar a descrevê-la e aos seus efeitos, de uma forma que eu espero seja pedagógica.

O Haxixe é uma resina das folhas de uma planta denominada por Cannabis Sativa, o seu preparo passa pela recolha dos brotos oleosos, posteriormente transformados numa pasta, através de maceração, que é vulgarmente comercializado sobre a forma de bolas ou tabletes endurecidos de aspecto verde-escuro ou acastanhado. Esta pasta é depois misturada ao tabaco e fumada na forma de cigarro ou de cachimbo.

Os principais efeitos do seu consumo são:

•O aumento da sensibilidade, maior percepção de cores, sons, paladar,
•Aumento do apetite.
•Perca da correcta noção do tempo.
•Maior capacidade de introspecção.
•Aumento do desejo sexual.
•Sensação de relaxamento.
•Vontade de rir.
•Olhos avermelhados.
•Boca seca.
•Taquicardia.

domingo, abril 09, 2006

O início dos vícios


Chegámos então ao ensino secundário, onde fui para uma nova escola, com colegas novos, enfim tudo novo.
Este poderia ter sido um ponto de viragem na minha vida, visto que mais uma vez fiquei frente a frente com a necessidade de efectuar escolhas, e mais uma vez fiz as escolhas erradas.
A entrada para o 7º ano foi mais fácil que a transição entre o ensino primário e o preparatório, já que já estava habituado ao sistema, no entanto em vez de procurar destacar-me pelas minhas capacidades académicas, mais uma vez procurei outro tipo de destaque.
Logo no fim desse nesse ano apanhei a minha primeira bebedeira e comecei a fumar tabaco. Sim, porque fumar era bem, fumar fazia parte dos atributos do tal grupo a que eu queria pertencer, graças a essa estúpida opção ainda hoje mantenho esse vício, que vou-vos dizer é tão ou mais complicado de abandonar como o cavalo, e com uma agravante, este é, ou era até à pouco, socialmente aceitável.
Por outro lado, e apesar de ter passado todo o ensino secundário (e mais uns valentes anos) sem ver o meu Sporting ganhar o que quer que fosse, a Força Verde primeiro e a Juventude Leonina depois, eram bem mais importantes que tudo o resto.
Apesar das dificuldades de verbas (uma vez que eu nunca tive uma mesada, ia apenas tendo o necessário para comer na escola, e que mesmo assim ainda me dava para o tabaco) a presença nos jogos em Alvalade era o ponto alto da semana.
O 7º ano foi concluído com extrema dificuldade, 6 negativas no 2º período recuperadas para duas no 3º, no entanto no 8º chegou o inevitável chumbo e com ele a elevação do estatuto, passei a fazer parte da turma dos repetentes.
Foi então que me iniciei no famoso chamon, nome de guerra do haxixe.

Coragem ou talvez não.

Antes de continuar com a minha história quero agradecer os comentários recebidos, no entanto acho que devo comentar, também eu, alguns dos comentários, passe o pleonasmo.

Na minha opinião, que vale o que vale, ou seja muito pouco, coragem não è contar a minha história, ainda mais debaixo do véu do anonimato. Coragem é enfrentar o dia a dia neste país, coragem é conseguir acordar todos os dias e enfrentar as dificuldades de dia a dia sem recorrer a substâncias químicas que toldem os sentidos.

Coragem é fazer planos para o futuro, sabendo de antemão que teremos sempre governos mais preocupados com o seu próprio umbigo do que em melhor as condições de vida dos seus cidadãos. Coragem, é continuar a acreditar que vale a pena.

Assim, deixem-me que seja eu a dar-vos os parabéns pela coragem que têm em enfrentar a vida, em acreditar que vale a pena, em sonhar em amar, enfim simplesmente parabéns.

Por outro lado, devo também desde já esclarecer uma coisa, a minha reabilitação não foi nenhum acto heróico, não nada disso, apenas fiz aquilo que devia, apenas fiz a minha obrigação. Também não esperem que venha aqui procurar bodes expiatórios ou razões difusas para o meu consumo. Não, eu fui drogado porque fui fraco, porque escolhi o caminho errado, quando podia ter escolhido o certo.

Não sou nem nunca fui, nem quero ser o coitadinho. Eu sou o único responsável pelo que aconteceu, para o bem e para o mal. Também não sou doente, não.

Eu apenas experimentei e gostei (muito) de algo que não devia ter experimentado, não fui enganado, sempre estive consciente dos riscos que corria e nunca me deram droga sempre tive que a comprar, portanto a culpa foi toda minha.

quinta-feira, abril 06, 2006

As raízes Parte 2 (o fim da inocência)


A entrada no ensino preparatório foi um choque, o descobrir de uma nova realidade para a qual eu não estava de modo algum preparado. Desde logo o contacto com o sexo feminino foi uma coisa estranha, eu nunca tinha convivido com meninas da minha idade e isso não foi fácil, só muito mais tarde viria a descobrir o quanto eu gosto da sua companhia. Por outro lado, o facto de não ter sempre o mesmo professor a acompanhar-me ao longo do período de aulas também me transmitiu uma sensação de abandono que foi difícil de ultrapassar, transformando-se mesmo, em alguns momentos, numa revolta que se reflectiu em irreverência e mau comportamento.

O melhor aluno da quarta classe, rapidamente se transformou num aluno com notas medianas, para o fraco, e do pior ao nível do comportamento e da disciplina.

Dum momento para outro, deixei de estar numa redoma que me protegia durante todo o dia – o período que passava no externato – para estar entregue a mim mesmo durante tempo demasiado, e eu não estava preparado. O perder o norte foi quase que imediato, de tal maneira me senti perdido que senti necessidade, por exemplo, de me esforçar para dizer palavrões porque entendia que só assim poderia ser aceite pelos outros.

Nesse momento vi-me obrigado a escolher que tipo de grupo eu queria integrar, se o grupo dos betinhos se o grupo dos “maus”, ou do que hoje se chamaria de dread ou algo parecido. Está mais que visto qual a escolha feita, não é?

Também por essa altura começou a minha ligação às claques de futebol, tendo integrado duas das mais antigas claques fundadas em Portugal, uma das quais fundada em 1976 e que ainda hoje existe. Este universo foi, para mim, mais uma escola onde aprendi o que não devia e onde tive pela primeira vez contacto com algumas substâncias das quais até então eu mal tinha ouvido falar, e que desconhecia quase por completo.

O menino bem comportado e com boas notas estava enterrado, acabei os dois anos do ensino preparatório com aproveitamento fraco, mas o suficiente para passar os dois anos, no entanto fui o mais bem classificado em mau comportamento, estava classificado com distinção como o pior aluno da escola nesta matéria.

quarta-feira, abril 05, 2006

As raizes (a idade da inocência) Parte 1


Não sei se foi importante para a minha história ou não, mas para melhor se perceber o caminho percorrido e as influências, ou falta destas, que me levaram ao consumo de drogas pesadas não há nada como começar pelo princípio.

Nasci em Lisboa, filho de um agente da autoridade e de uma mulher-a-dias. Pessoas simples, a quem eu devo tudo o que sou hoje e que no meio da minha história de degradação perderam anos de vida e gastaram o que tinham e não tinham para me ver de novo bem. Apenas com a quarta classe, as suas origens estão na Beira Baixa e demandaram no final da década de 60 do século passado a capital na procura de melhores condições de vida e de um futuro, ou de uma oportunidade de futuro, que então, como hoje, o interior lhes negava.

A escola primária foi realizada num externato particular próximo do Areeiro, onde concluí a quarta classe como o melhor aluno. Ao contrário do que se possa pensar, a razão principal de eu frequentar este estabelecimento de ensino nada tinha a ver com a qualidade do ensino ou com grandes projectos académicos para a minha pessoa. Não, nada disso, a razão principal para ir para o externato ficou-se a dever à inexistência do que hoje se chama vulgarmente de ATL. Assim, e uma vez que não havia onde me deixar entre o fim da escola e o fim do horário de trabalho, fui parar a este externato que tinha um horário prolongado permitindo assim que eu não fica-se sozinho e não necessita-se de acompanhar a minha mãe até às casas das senhoras em que trabalhava.

O externato era frequentado exclusivamente por meninos e era dirigido por um casal já com alguma idade. As aulas eram dadas à maneira antiga onde por exemplo cada erro ortográfico correspondia a uma reguada, e foram tantas as que apanhei.

Mas bom, findo este período de 5 anos, uma vez que eu entrei um ano mais cedo, para uma coisa que se chamava pré primária, chegou a hora de ir para o ensino público e tomar contacto com uma nova realidade, onde seria muito menos protegido e onde as relações professor aluno seriam muito mais impessoais e muito mais frias e indiferentes.

Fui drogado.


Não tenho orgulho no que fui, mas o que sou resulta também do que sofri e fiz sofrer durante esses anos de desvario.
Muito do que se passou eu não me lembro, muito do que fiz tentei esquecer...
Ao longo dos anos têm aparecido muitas histórias a contar o drama e o dia a dia dos drogados, mas essas são as histórias das Pipinhas dos Danis, das Tétés e dos Cócós. Ou seja, na sua maioria priveligiados da nossa sociedade com acesso a formas de tratamento e meios financeiros que eu nunca tive.
O que me proponho é, sem prazos, ir contando a minha história de consumo, as tentativas de cura as recaidas enfim o dia a dia de um heroino dependente que fui.