Tenho 44 anos. Em 15 de Dezembro de 1996 dei o meu último caldo. Passaram-se 17 anos... Aqui contei parte da minha história...

quinta-feira, junho 29, 2006

Fim de semana fora (com ressaca)

Daqui por diante nada mais foi como dantes, o receio de por algum motivo não conseguir ter heroína suficiente ou a horas, passou a dominar o meu viver.

Mas para que melhor percebam o que é a heroína vou vos contar mais um episódio real e que mostra bem, penso eu, o poder que ela exerce sobre quem a consome.

A determinada altura os meus pais foram para fora, ficando eu sozinho durante a semana e com o compromisso de ir ter com eles no fim-de-semana. Pois bem, chegada a sexta-feira estava na hora de preparar as coisas para a viagem de comboio até ao interior do país, claro que entre essas coisas estava a dose de heroína necessária para esse fim-de-semana.

Como dependente prevenido vale por dois, nessa tarde comprei uma grama para levar, 50 € (10 contos), o que equivalia mais ou menos a 10 ou 11 pacotes, por essa altura eu estava a consumir 2 ou 3 pacotes por dia, por isso chegava perfeitamente até domingo à noite ou segunda de manhã.

Antes de partir, nada melhor do que experimentar o produto, e assim foi, prata na mão, isqueiro e vamos a isso. Comecei por fumar uma quantidade menor que um pacote, mas o produto era mesmo bom, por isso vai de fumar mais um pouco, e assim sucessivamente.

Resultado, quando dei por mim, restava-me menos de metade do que havia comprado.

Eu devia saber que iria ter problemas no fim-de-semana, mas não queria saber, repetia constantemente para mim que tudo se iria resolver, não havia nervos tudo tinha solução.

Enquanto estava com a moca, esquecia as dores da ressaca e consumia que nem um perdido, mais, cada vez mais, sempre mais. Depois, como nessa altura somos intocáveis, não há mal que nos chegue, afinal o que poderá correr mal pensava eu?

Escusado será dizer que passei um fim-de-semana de merda, a ressacar de sábado de manhã até domingo ao fim da tarde, altura em vim a conduzir até Lisboa no carro do meu pai. Como é óbvio foi das viagens mais rápidas que fiz naquele percurso, o argumento para justificar tal velocidade foi simples, estava com saudades da namorada, e por isso queria chegar depressa.

Assim que cheguei a casa foi só tirar tudo do carro e ir “às compras”, queria lá saber da namorada, enfim, mas 10 minutos depois estava logo tudo mais calmo, peace and love na minha cabeça, até à próxima ressaca…

O outro Eu

Eu não sou só o que aqui vos conto, existe mais Eu para lá desta realidade, se quiserem conhecer podem ir ao meu outro blog Abatanado - O outro Eu

quarta-feira, junho 28, 2006

O brutal poder da heroína


De volta às minhas histórias, vamos então chegar às primeiras ressacas, ou se quisermos ser um pouco mais eruditos às síndromes de abstinência.

Por esta altura eu estava a tirar um curso de formação, uma vez que, a empresa em que tinha estado anteriormente a trabalhar me tinha despedido (temporariamente) para mais tarde me voltar a empregar, uma daquelas espertezas há portuga. Mas voltando ao curso, era um daqueles que a comunidade europeia subsidiava e que encheram os bolsos a uma mão cheia de oportunistas e que não serviram de nada a quem os frequentou, nem para encher curriculum tal era a sua qualidade.

Mas pronto, sempre ia recebendo alguma coisa e isso era o mais importante.

Um pouco antes da tomada de consciência da chegada das ressacas, comecei a dar conta da partida do dinheiro. Foi esse o primeiro sinal de alerta, eu que nunca tinha tido falta de dinheiro comecei a ficar sem cheta lá para o dia 14 ou 15 de cada mês, vendo-me obrigado a recorrer a algum dinheiro que até aí havia amealhado e depositado no banco.

Pois bem, como o dinheiro desaparecia rapidamente tentei diminuir as quantidades consumidas, ou melhor consumir em intervalos de tempo maiores, mas então aí o meu corpo começou a manifestar-se. De um momento para o outro comecei a sentir um mal-estar, inicialmente mais ao nível dos rins, e das pernas, sempre que o período que mediava entre os consumos era mais dilatado.

Inconscientemente eu sabia bem o que aquilo era, mas continuava a negar a mim próprio o que se estava a passar, para mim eu continuava a ser dono e senhor da minha vontade e quando quisesse parava de consumir. Acreditava tanto nisto que, a determinada altura resolvi parar. Para me ajudar a consegui-lo, peguei no pouco dinheiro que me restava e fui comprar uma pequena aparelhagem com leitor de cd, tentando assim trocar o consumo pelo prazer de ter algo que sempre ambicionei, e uma vez que fiquei sem dinheiro não ia consumir.

Então, pela primeira vez, senti o brutal poder da heroína.

Logo nessa noite não consegui pregar olho, passei a noite ás voltas com tremores nas pernas, pingo no nariz e uma irritante sensação na garganta que me obrigava a tossir constantemente. A espera pelo passar das horas foi algo difícil de explicar, a ânsia de consumir dominava por completo a minha vontade.

Durante essa noite fiz também um assalto ao armário dos medicamentos, procurando algo para ingerir e que me acalma-se, mas nada surtiu efeito, tive mesmo de esperar pela manhã para poder ir comprar e claro consumir.

A primeira ressaca tinha chegado e a primeira tentativa de abandonar o consumo partia poucos instantes depois de ter chegado.

terça-feira, junho 27, 2006

Bairros de venda

Um dos objectivos deste projecto, passa também por dar a conhecer e desmistificar algumas das lendas e mitos que rodeiam o mundo do consumo e tráfico de drogas. Sendo assim vou aproveitar um episódio que se passou comigo ontem, e que fez aflorar à minha memória algumas recordações de há 17 ou 18 anos.

Ontem por motivos profissionais tive necessidade de me deslocar a um instituto que fica perto da Mesquita de Lisboa, como o meu sentido de orientação nunca foi o meu forte, no regresso perdi-me. Resultado, quando me queria dirigir a norte dei por mim a ir na direcção da Auto-estrada de Cascais, então, antes de entrar na mesma e para evitar males maiores virei para a única saída disponível, indo dar ao bairro onde se situava o antigo Casal Ventoso.

Como é óbvio muitas recordações tenho daquele lugar, e logo fui assaltado por elas.

Curiosamente, ou talvez não, dei comigo a lembrar as primeiras vezes que lá fui, e então ocorreu-me que seria interessante contar aqui essas peripécias.

Ao contrário do que se pensa, quando se entrava pela primeira vez no casal não vinha logo um traficante ter connosco oferecer-se para nos vender branca ou castanha, não antes pelo contrário. Antes de lá entrar-mos, e caso não fossemos conhecidos como era o meu caso, uma vez que sempre lá fui sozinho e sem ninguém para me guiar, já os dealers todos sabiam que se aproximava um estranho.

Das primeiras vezes que lá entrei, fiz o caminho pela parte de cima, entrando pela meia laranja, então mal começava a descer logo se ouvia o grito de aviso UGAAAA, UUGAAAA, e tudo o que era traficante desaparecia encerrando de imediato o “estabelecimento”, e obrigando-me a procurar algum carocho que me conhece-se para poder comprar o que queria.

Chegou ao ponto de me pedirem para não ir para lá com uma daquelas bolsas de colocar à cintura que na altura eu usava, pois isso era habitual nos policias e assim iam me confundir com dos deles.

Ora, isto que se passou no casal, passou-se comigo na Musgueira, nos Olivias, no Prior Velho, no meu bairro, enfim, em todo o lado onde comprei cavalo e onde me dirigi das primeiras vezes sem um “Guia”.

Com isto, quero dizer que aquelas histórias de “Há e tal não aceites nada de estranhos porque pode ser droga…”, “Cuidado, se te derem pastilhas ou rebuçados, não aceites porque podem ter droga...”, para mim são lendas.

Nunca em tempo algum alguém me deu o que quer que fosse de droga, tive sempre de a comprar, por isso eu digo, mais do que receio dos estranhos há que ter receio dos conhecidos e das suas influências. A viragem para um caminho mais ou menos perigoso depende mais daqueles que nos rodeiam no dia a dia e que são muitas vezes nossos amigos do que dos estranhos.

Para finalizar este post, deixo-vos a letra de uma música dos Da Weasel que retrata na perfeição o mundo do Casal ou de qualquer outro bairro de venda:

"Chibos interesseiros. Intrujas manhosos.
Bacanos desorientados à espera d’ algo, sem saber o quê ao
certo,
mas a com a certeza de que o saberão quando a cena finalmente
surgir.

Miúdas que quase que fazem uma mamada em troca de um algodão.
Quase que fazem, o caralho, fazem mesmo.
Caras e corpos de 40 anos que na verdade viveram apenas metade desse tempo.

Barracas impregnadas com aquele ar nauseabundo.
Muletas ligaduras hematomas sangue coagulado.
O cheiro, não se consegue dsfarçar o cheiro.
Surgem vozes de todo o lado:

-“Boa branca”, “boa castanha”, “Serenal”, “Paxilfar”,
“prata”, “bombas”, “amoníaco”, “sai do meio da rua e encosta à parede!”,

“Filha da puta do carocho só faz é merda”!!!
Vai fechar a loja mas o puto não comprou nada,

Não comprou nada,

Não comprou…

São duas da manhã mas a loja tá aberta, como sempre.
Seja natal ou fim-do-ano, o negócio não pode parar,
não consegue parar, e por isso, logicamente não vai parar.

(Disponível num centro perto de si)

Dinheiro puxa dinheiro como vício puxa vício…
Enquanto houver gente a comprar, vai haver gente a vender,
enquanto houver gente a vender, vai haver gente a comprar…
O bicho já apanhou mais de metade dos consumidores,
mas sabes bem que a fruta dos contentores dá moca e tira as dores
faz voar sem sair do chão e afinal de contas quem é que não
gosta da sensação da…

-“Boa branca”, “boa castanha”, “Serenal”, “Paxilfar”,
“prata”, “bombas”, “amoníaco”, “já te disse para saíres do meio da
rua e encostares à parede!”,

“Filha da puta do carocho só faz é merda”!!!

Vai fechar a loja mas o puto não comprou nada,

Não comprou nada,
Não comprou…"

quinta-feira, junho 22, 2006

A primeira chinesa sozinho

Assim se foram sucedendo os dias, as semanas os meses, enfim, assim se foi passando o tempo. Sem me aperceber muito bem o consumo foi gradualmente aumentando, sem me dar por isso fui entrando numa rotina diária cujo único objectivo a atingir era o momento de fumar mais uma chinesa.

Durante esta primeira fase de consumo de heroína, fui mantendo o meu relacionamento estável com a minha namorada da altura, no entanto não nunca esquecia a minha verdadeira paixão, a rapariga de que já vos falei mais atrás e com quem curti apenas uma noite. Pois bem, foi por esta altura que curtimos numa noite de verão no fim de uma festa após ir levar a minha namorada a casa.

É difícil explicar o que senti, fiquei doido, há anos que procurava aquele momento e finalmente tinha acontecido. Nos dias seguintes voltámos a estar juntos mais uma ou duas vezes, mas só conversamos e, aos poucos, fui me afastando, sem perceber que não devia tratá-la da forma que o estava a fazer. Como eu tinha namorada por vezes ignorava-a e fazia de conta que não a conhecia, mas pensava estar a fazer o que devia ser feito, afinal de contas ela sabia.
A determinada altura percebi que a havia perdido, e foi aí que pela primeira vez fumei uma chinesa sozinho. Esse é outro momento marcante e do qual me lembro como se fosse hoje. Estava no carro e tinha-a no meu campo de visão, estava consciente que não mais a iria poder ter para mim e para me consolar fumei o meu primeiro pacote sozinho.

Daí para a frente, aos poucos, dei por mim a viver para a heroína, sem me dar conta de repente cordava a pensar na heroína e deitava-me a pensar na heroína.

O dinheiro rapidamente foi desaparecendo, o apetite também foi coisa que desapareceu, perdi cerca de 15 ou 20 quilos em poucos meses, todos os outros interesses foram passados para segundo plano, nada era mais importante que satisfazer a vontade insaciável de consumir.

Nesta fase, penso que fisicamente ainda não sentia os efeitos do vício, talvez por o dinheiro ainda ir chegando e por isso não dar tempo de intervalo suficiente para a ressaca se fazer sentir, mas o inevitável aconteceu e as primeiras ressacas chegaram.

sexta-feira, junho 09, 2006

A paixão...


Após a primeira experiência com o cavalo, a vontade de fumar gansas desvaneceu-se, eclipsou-se, deixou de fazer sentido. Os efeitos, a moca, aquilo que lhe quisermos chamar, não têm comparação possível, são coisas díspares, enfim é o sol e a lua.

Como já perceberam, no dia seguinte, já não quis fumar mais chamon, queria sim, fumar uma chinesa, e devo dizer-vos que, se no dia anterior eu era o mais resistente à ideia de comprar cavalo, desta vez eu fui o principal impulsionador da ideia, foi necessário até algum esforço para convencer os meu companheiros, mas consegui.

O chamon quase que foi banido dos meus hábitos, de vez em quando fumava uma gansa em simultâneo com uma chinesa, mas sempre achei que estava a desperdiçar cavalo. O que eu queria mesmo era sentir aquela sensação de que não havia problema no mundo que me atingisse, tava tudo bem, amanhã tudo estaria também bem e nada de mal iria acontecer.

Até aqui, foram várias as vezes em que vos disse que a pressão do grupo me levou a fazer isto ou aquilo, pois bem, neste momento da minha história, isso não aconteceu. A pressão do grupo teve peso no momento de decidir se experimentava ou não, a partir daí fui eu que, de tanto ter apreciado o efeito da heroína, quis continuar, era com se estivesse apaixonado.

Não fiquei dependente de nada apenas por ter experimentado, nada disso, ninguém fica dependente com uma chinesa, apenas gostei…e por isso continuei.

Durante algum tempo o meu consumo foi sempre social, ou seja, não o fazia sozinho, pois um pacote era suficiente para pôr uma prata a rodar por dois ou três amigos e, assim lá ia eu entrando num vício, que, apesar de estar consciente de que me podia destruir, eu acreditava poder controlar. Não sei se realmente acreditava nisto, mas era o que eu repetia de cada vez que fumava – “Quando me apetecer eu paro.”

Desta fase em diante é mais difícil precisar datas, pois muita coisa não está clara na minha memória, no entanto sei que me lembro de muita coisa, mas como disse vai ser difícil precisar os momentos temporalmente.

domingo, junho 04, 2006

De volta.

Antes de mais quero agradecer a todos aqueles que têm visitado o blog e que me têm dado força para continuar. Por outro lado posso garantir que não vou desistir, vou contar a minha história até ao fim, posso por vezes estar algum tempo ausente, mas vou voltar sempre para levar este projecto até ao fim.

Este longo período de ausência poderá ser difícil de explicar, ou por outras palavras, parte da explicação que tenho para vos dar não sei se a vou conseguir tornar perceptível para todos, mas mesmo assim vou tentar.

Durante o tempo em consumi heroína fiz uma série de tentativas para largar o vício, no entanto, e como acontece na maioria dos casos, voltei sempre ao consumo. Fiz de tudo, geográficas, medicamentos, inibidores de opiáceos, NA, enfim, cheguei até a estar quase seis meses fechado em casa medicado pela psiquiatra. Nada resultou, passado pouco tempo voltei sempre à heroína.

Os meus pais a minha namorada e mais tarde a minha actual mulher sempre me perguntaram porquê. Se eu já sabia o que era o vício porquê voltar?

Pois bem a minha resposta foi sempre a mesma, porque gosto da heroína, porque adoro o seu efeito, a sensação de calma, enfim todos os problemas que possamos ter desaparecem como que por magia, e no momento de decidir se consumo ou não são esses que se sobrepõem à razão.

O que vou dizer agora, é que não sei se vão entender, espero que sim…

Ao reviver aqueles momentos em que descrevi a primeira vez, senti uma, não sei se saudade será a palavra certa, mas foi quase como se estivesse a fumar naquele momento e a saboreara a moca achegar lentamente… Enfim assustei-me, pois senti vontade de consumir.

Eu sei que pode ser difícil de entender, mas não sei explicar melhor, passados todos estes anos foi isso que senti, e achei por bem dar um tempo. Sei que isto é normal, afinal de contas andei anos a ter um secreto prazer sempre que ia fazer análises, adorava a sensação de ser picado, hoje já não sinto o mesmo, mas se calhar só quem passou por lá é que percebe.

Por fim um aparte, estive ontem no Rock in Rio (obrigado Ana pelo bilhete) e adorei. O Santana esteve bem, mas o Roger Waters, foi fenomenal, pelo menos para mim. Aquele início com o Another Brick in The Wall fez recordar muita coisa e deu-me força para hoje aqui estar de novo convosco.