Tenho 44 anos. Em 15 de Dezembro de 1996 dei o meu último caldo. Passaram-se 17 anos... Aqui contei parte da minha história...

terça-feira, junho 27, 2006

Bairros de venda

Um dos objectivos deste projecto, passa também por dar a conhecer e desmistificar algumas das lendas e mitos que rodeiam o mundo do consumo e tráfico de drogas. Sendo assim vou aproveitar um episódio que se passou comigo ontem, e que fez aflorar à minha memória algumas recordações de há 17 ou 18 anos.

Ontem por motivos profissionais tive necessidade de me deslocar a um instituto que fica perto da Mesquita de Lisboa, como o meu sentido de orientação nunca foi o meu forte, no regresso perdi-me. Resultado, quando me queria dirigir a norte dei por mim a ir na direcção da Auto-estrada de Cascais, então, antes de entrar na mesma e para evitar males maiores virei para a única saída disponível, indo dar ao bairro onde se situava o antigo Casal Ventoso.

Como é óbvio muitas recordações tenho daquele lugar, e logo fui assaltado por elas.

Curiosamente, ou talvez não, dei comigo a lembrar as primeiras vezes que lá fui, e então ocorreu-me que seria interessante contar aqui essas peripécias.

Ao contrário do que se pensa, quando se entrava pela primeira vez no casal não vinha logo um traficante ter connosco oferecer-se para nos vender branca ou castanha, não antes pelo contrário. Antes de lá entrar-mos, e caso não fossemos conhecidos como era o meu caso, uma vez que sempre lá fui sozinho e sem ninguém para me guiar, já os dealers todos sabiam que se aproximava um estranho.

Das primeiras vezes que lá entrei, fiz o caminho pela parte de cima, entrando pela meia laranja, então mal começava a descer logo se ouvia o grito de aviso UGAAAA, UUGAAAA, e tudo o que era traficante desaparecia encerrando de imediato o “estabelecimento”, e obrigando-me a procurar algum carocho que me conhece-se para poder comprar o que queria.

Chegou ao ponto de me pedirem para não ir para lá com uma daquelas bolsas de colocar à cintura que na altura eu usava, pois isso era habitual nos policias e assim iam me confundir com dos deles.

Ora, isto que se passou no casal, passou-se comigo na Musgueira, nos Olivias, no Prior Velho, no meu bairro, enfim, em todo o lado onde comprei cavalo e onde me dirigi das primeiras vezes sem um “Guia”.

Com isto, quero dizer que aquelas histórias de “Há e tal não aceites nada de estranhos porque pode ser droga…”, “Cuidado, se te derem pastilhas ou rebuçados, não aceites porque podem ter droga...”, para mim são lendas.

Nunca em tempo algum alguém me deu o que quer que fosse de droga, tive sempre de a comprar, por isso eu digo, mais do que receio dos estranhos há que ter receio dos conhecidos e das suas influências. A viragem para um caminho mais ou menos perigoso depende mais daqueles que nos rodeiam no dia a dia e que são muitas vezes nossos amigos do que dos estranhos.

Para finalizar este post, deixo-vos a letra de uma música dos Da Weasel que retrata na perfeição o mundo do Casal ou de qualquer outro bairro de venda:

"Chibos interesseiros. Intrujas manhosos.
Bacanos desorientados à espera d’ algo, sem saber o quê ao
certo,
mas a com a certeza de que o saberão quando a cena finalmente
surgir.

Miúdas que quase que fazem uma mamada em troca de um algodão.
Quase que fazem, o caralho, fazem mesmo.
Caras e corpos de 40 anos que na verdade viveram apenas metade desse tempo.

Barracas impregnadas com aquele ar nauseabundo.
Muletas ligaduras hematomas sangue coagulado.
O cheiro, não se consegue dsfarçar o cheiro.
Surgem vozes de todo o lado:

-“Boa branca”, “boa castanha”, “Serenal”, “Paxilfar”,
“prata”, “bombas”, “amoníaco”, “sai do meio da rua e encosta à parede!”,

“Filha da puta do carocho só faz é merda”!!!
Vai fechar a loja mas o puto não comprou nada,

Não comprou nada,

Não comprou…

São duas da manhã mas a loja tá aberta, como sempre.
Seja natal ou fim-do-ano, o negócio não pode parar,
não consegue parar, e por isso, logicamente não vai parar.

(Disponível num centro perto de si)

Dinheiro puxa dinheiro como vício puxa vício…
Enquanto houver gente a comprar, vai haver gente a vender,
enquanto houver gente a vender, vai haver gente a comprar…
O bicho já apanhou mais de metade dos consumidores,
mas sabes bem que a fruta dos contentores dá moca e tira as dores
faz voar sem sair do chão e afinal de contas quem é que não
gosta da sensação da…

-“Boa branca”, “boa castanha”, “Serenal”, “Paxilfar”,
“prata”, “bombas”, “amoníaco”, “já te disse para saíres do meio da
rua e encostares à parede!”,

“Filha da puta do carocho só faz é merda”!!!

Vai fechar a loja mas o puto não comprou nada,

Não comprou nada,
Não comprou…"

4 Comentários:

Blogger Lipa disse...

Primeiro que nada venho agradecer o teu comentário e atua visita, adorei!
Depois fiqui contente em me ver nos teus links...
Quanto ao teu comentário, tenho a dizer que sim, eu sei bem o país em que vivo, mas com a volta do mundial fez-me lembrar e claro escrever...
Olha mais uma coisa, adoro o teu blog, sei que já disse, mas... continua, adoro!!!
Beijinhos

6:04 da tarde

 
Blogger Maria H disse...

Como sempre tiras-me as palavras da boca. Casal, musga, galinheiras, relógio...tantas aventuras lá passadas. quando vamos a lx gostamos de passar pelo casal pra ver as vistas. A última vez passei na meia-laranja e o cenário torna-se conhecido...Se leres o tal e qual da semana passada vês isso mesmo. Na primeira pág. "DROGA volta em força ao casal ventoso"

11:25 da manhã

 
Anonymous Anónimo disse...

o mito da droga fácil, do tem cuidado pode ser droga! está bem longe da verdade, a droga e o seu tráfico são muito provavelmente o maior negócio do mundo lado a lado com o petróleo.

8:47 da tarde

 
Anonymous Anónimo disse...

Boa tarde!

Depois de ler a sua história decidi enviar este comentário!
Encontro-me neste momento a trabalhar num projecto sobre as Memórias do Casal Ventoso e gostaria de saber se tem histórias, fotografias ou outros objectos importantes que me possa enviar!

Seria muito importante para nós enriquecer este projecto com todas as memórias possíveis e a participação de todos é essencial!

O meu email é patricia.semeador@hotmail.com, não hesite em falar porque gostaria muito!

Obrigada

10:54 da manhã

 

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