O meu pai, que por incrível que pareça não suspeitava de nada, ficou como se tivesse levado um soco no estômago. Foi como se lhe tivessem tirado o chão, ficou branco a olhar para mim, sem saber o que dizer.
Sempre pensei que no dia em que o meu vício deixasse de ser segredo, a reacção do meu pai fosse diferente do que efectivamente aconteceu.
Apesar do choque, que por mais que tenha tentado não conseguiu esconder, a primeira coisa que me disse foi, “
O que posso fazer para te ajudar?”
Já passaram muitos anos, mas não consigo deixar de sentir um arrepio quando me recordo deste episódio, acreditem que estou com as lágrimas nos olhos, não tanto pelo apoio que os meus pais sempre me deram para me ajudar a sair daquele mundo, mas por sentir que mais do que ninguém eles não mereciam a dor que eu lhes estava a impor.
O resto desse dia passou muito rápido, conseguimos ir ainda à psiquiatra que me prescreveu uma série de medicamentos para enfrentar a ressaca que estava a chegar, e o meu pai prontificou-se a passar a noite ao meu lado para me ajudar no que fosse preciso.
Nenhum de nós estava pronto para o que se iria passar naquelas duas ou três noites, nem eu, que já sabia o que era ressacar, fazia ideia do sofrimento que me esperava.
Mais tarde, a minha psiquiatra, viria a admitir que a medicação que me deu pecou por fraca, mas ela era inexperiente no assunto e não se apercebeu que a minha dependência era já muito grande. Ela achava que por eu ainda não me picar não seria difícil ultrapassar a ressaca, mas enganou-se, foi precisamente o contrário. De todas as curas que fiz, mesmo mais tarde quando passei a consumir por via endovenosa, esta foi a mais dolorosa.
O meu descontrolo foi total, acredito que não bati em ninguém e não parti nada porque por natureza não sou violento, praticamente não me lembro com exactidão de nada a não ser da dor nas pernas, do pingo no nariz, dos vómitos, das dores nos rins e do mau estar geral que por mais comprimidos que tomasse não desaparecia.
O meu pai foi um verdadeiro herói, ali esteve três dias e três noites sem arredar pé, e finalmente aos poucos comecei a acalmar.
A primeira coisa de que me lembro depois da ressaca foi a sensação de enorme alegria que senti por ter de novo apetite e não ter necessidade nem de enganar nem de roubar e, claro, de não ter obrigatoriamente de ir consumir.