Tenho 44 anos. Em 15 de Dezembro de 1996 dei o meu último caldo. Passaram-se 17 anos... Aqui contei parte da minha história...

segunda-feira, outubro 02, 2006

Três dias e três noites de Ressaca

O meu pai, que por incrível que pareça não suspeitava de nada, ficou como se tivesse levado um soco no estômago. Foi como se lhe tivessem tirado o chão, ficou branco a olhar para mim, sem saber o que dizer.
Sempre pensei que no dia em que o meu vício deixasse de ser segredo, a reacção do meu pai fosse diferente do que efectivamente aconteceu.
Apesar do choque, que por mais que tenha tentado não conseguiu esconder, a primeira coisa que me disse foi, “O que posso fazer para te ajudar?
Já passaram muitos anos, mas não consigo deixar de sentir um arrepio quando me recordo deste episódio, acreditem que estou com as lágrimas nos olhos, não tanto pelo apoio que os meus pais sempre me deram para me ajudar a sair daquele mundo, mas por sentir que mais do que ninguém eles não mereciam a dor que eu lhes estava a impor.
O resto desse dia passou muito rápido, conseguimos ir ainda à psiquiatra que me prescreveu uma série de medicamentos para enfrentar a ressaca que estava a chegar, e o meu pai prontificou-se a passar a noite ao meu lado para me ajudar no que fosse preciso.
Nenhum de nós estava pronto para o que se iria passar naquelas duas ou três noites, nem eu, que já sabia o que era ressacar, fazia ideia do sofrimento que me esperava.
Mais tarde, a minha psiquiatra, viria a admitir que a medicação que me deu pecou por fraca, mas ela era inexperiente no assunto e não se apercebeu que a minha dependência era já muito grande. Ela achava que por eu ainda não me picar não seria difícil ultrapassar a ressaca, mas enganou-se, foi precisamente o contrário. De todas as curas que fiz, mesmo mais tarde quando passei a consumir por via endovenosa, esta foi a mais dolorosa.
O meu descontrolo foi total, acredito que não bati em ninguém e não parti nada porque por natureza não sou violento, praticamente não me lembro com exactidão de nada a não ser da dor nas pernas, do pingo no nariz, dos vómitos, das dores nos rins e do mau estar geral que por mais comprimidos que tomasse não desaparecia.
O meu pai foi um verdadeiro herói, ali esteve três dias e três noites sem arredar pé, e finalmente aos poucos comecei a acalmar.
A primeira coisa de que me lembro depois da ressaca foi a sensação de enorme alegria que senti por ter de novo apetite e não ter necessidade nem de enganar nem de roubar e, claro, de não ter obrigatoriamente de ir consumir.

5 Comentários:

Blogger Rita disse...

fiquei emocionada a ler isto!!!!

9:51 da tarde

 
Anonymous Anónimo disse...

Nunca imaginei, que a dor de uma ressaca fosse tão sofrível, tb nunca vi ninguém a fazê-lo. Agora pergunte-te, dp de ter sofrido tanto, não é o suficiente, para nunca mais quereres voltar? Ou o prazer q a droga dá, é superior a todo esse sofrimento?

11:05 da manhã

 
Blogger Maria H disse...

Para a sara: não é óbvio que este blog, os testemunhos e o seu autor não são a prova viva que ele jamais voltará...?senão nada do que até aqui foi escrito faria qualquer sentido.
São mesmo horríveis as dores de uma ressaca, mas não é apenas pelas dores sentidas que se muda de rumo. Essas, as dores, vêm e vão como o vento...Não há dor alguma que o ser humano não consiga suportar. Eu mesma suportei as dores de uma ressaca "a frio" ( sem medicação, sem tratamentos) e estou aqui!! Tive dois filhos e acho que custa bem mais! Eheheh!
Aquela dor que não se vê, a dor de fazer sofrer um pai ou uma mãe, um filho ou amigo custa bem mais do que a dor física.
Para o Eu: Parabéns pelo pai maravilhoso! Eu também estou de parabéns pelos meus pais! Pena tenho que a minha mãe não tenha tido tempo de assistir a esta fase de nova vida!
Importa seguir em frente pois o futuro é já ali à frente!!

2:20 da tarde

 
Blogger Lipa disse...

Arrepiei....
Mas digo do fundo do coração que a tua história devia estar escarrapachada nos olhos desses tótós que andam para aí e não vêm no que se estão a meter...
A tua história é um acto de coragem, uma grande liçaõ de vida...

6:10 da tarde

 
Anonymous Anónimo disse...

A tua história choca-me um bocado...sei que deve haver muitas pessoas que passam/passaram pelo mesmo. Mas o facto de tu te prontificares a escrever, a transmitir a tua vivência, dá-me uma ideia daquilo que um toxicodependente passa..também por não ter nenhum caso próximo.
De facto o teu pai foi um homem com H grande, ou melhor, um pai com P grande.
Força e não desistas de postar! =)

7:37 da tarde

 

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