"Pai, sou toxicodependente!"
A partir daqui não mais consegui ter controlo sobre a situação. Lembro-me que este episódio, a consulta com a psiquiatra, se passou perto do Natal, lembro-me também que nesse ano tivemos visitas lá em casa e de como foi difícil “vender” a história do esgotamento e das dores resultantes do tratamento a alguns familiares meus, mas lá me safei.
Daqui em diante a mentira passou a ser diária, mentia às médicas, mentia aos meus pais, mentia à namorada, enfim para ocultar uma mentira era sempre necessário contar outra mentira.
Em vez de conseguir parar de consumir, passou-se precisamente o contrário, cada vez consumia mais, e em consequência comecei a roubar mais.
Como nem sempre era fácil vender as coisas que roubava lá no bairro, comecei a tentar trocar directamente os artigos que arranjava por cavalo. Lembro-me de um dia estar dentro de uma casa nas Galinheiras com duas ou três máquinas fotográficas a suplicar dois ou três pacotes e nada, não consegui nada.
A situação estava totalmente descontrolada, sentia-me perdido e pela primeira vez tinha a noção de que estava preso e que já não tinha força para lutar.
Ao contrário dos relatos que tenho lido, eu queria lutar para me livrar do pesadelo, mas não tinha força, sentia-me impotente, desesperado. Nunca me entreguei à ideia de que não valia a pena lutar, mas também ainda não percebia que para deixar teria de ser para sempre (sempre é tanto tempo). Na minha cabeça eu queria parar por um tempo…para voltar a consumir mais tarde, de novo com o controlo na minha mão.
Enfim, a tristeza e o medo foram-se apoderando de mim, até que deixei de resistir. Então um dia, sem ter planeado nada, enquanto almoçava com o meu pai não suportei mais a dor que sentia, e às suas perguntas insistentes para que eu lhe contasse o que se passava comigo, respondi: “Pai, eu sou toxicodependente!”
Assim, sem mais nem menos, a frio, sem preparação sem nada, sou toxicodependente.
Ainda hoje estremeço quando me lembro desse dia, e do desgosto que devo ter dado a todos os que me rodeavam. Estavam todos longe de pensar que o pesadelo ainda mal tinha começado e que se iria arrastar ainda durante alguns anos.