Voltando então ao relato da minha história, que de facto é o que interessa e o motivo da existência deste blog, estamos então na época em que comecei a dar os primeiros caldos sozinho.
De cada vez que o fazia era sempre confrontado com uma série de medos. Desde logo o pior de todos era o medo de que a seringa entupisse ou que por qualquer razão falhasse a veia e desperdiçasse o cavalo. Isto era o pior que me podia acontecer, estar a ressacar, conseguir arranjar cavalo e depois a bomba entupir era desesperante, tive cenas de estar com a agulha espetada, ter encontrado a veia e de repente ficar tudo entupido. Por mais que tentasse empurrar o êmbolo nada, nem para a frente nem para trás, só me apetecia bater em mim próprio. Outras vezes era a agulha que saltava da veia à última da hora, e o líquido em vez de entrar na veia fazia logo um alto no braço porque ficava ali acumulado, vindo mais tarde a dar origem a grandes hematomas, enfim autenticas cenas de terror.
Outro medo com que me confrontava era a qualidade do cavalo, ou melhor dizendo que tipo de mistura tinha. Toda a gente sabe que os traficantes misturam substancias no cavalo para aumentar a quantidade e logo aumentar o lucro, o chamado corte. Mas há medida que vamos descendo na cadeia todos os intermediários fazem o mesmo, sendo que os últimos, muitas vezes pequenos traficantes que apenas ganham para o seu próprio consumo, utilizam tudo o que tenham à mão, seja cimento, seja Noostan seja cal, enfim o que puderem. Ora, o meu medo era que algum desses malucos me vende-se uma mistura com alguma substância letal o que pelo facto de eu ir injectar podia ser muito perigoso.
Esse foi um dos motivos que me levou gradualmente a abandonar a compra no meu bairro e a procurar bairros de maior importância no tráfico, em particular o Casal, pois pensava que aí o risco era menor, mas em boa verdade, foi intrujado tanto no meu bairro como nos outros, dependia dos dias, das épocas, enfim dependia da consciência ou falta desta dos traficantes.